Agricultura familiar na América latina: das políticas agrícolas diferenciadas aos instrumentos de promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional e da agroecologia

Sob a pressão dos movimentos sociais do campo, vários países latinoamericanos têm adotado políticas específicas a favor da Agricultura Familiar (AF a seguir neste texto). Na maioria dos casos, estas políticas correspondem a uma segunda geração de instrumentos de intervenção do Estado, os quais se somam àqueles já utilizados para melhorar o acesso à terra. Esta é a situação, por exemplo, da Colômbia depois do “paro agrário” e do Peru após mobilizações das organizações campesinas. Mas há também países onde já se investe em uma terceira geração de políticas, as quais não focalizam apenas o aumento da produção ou a reorganização da estrutura agrária, mas possuem forte apelo socioambiental e na qualidade alimentar. Estas políticas abarcam instrumentos para fortalecer a Soberania e a Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) e são, ademais, crescentemente associados à Agroecologia. Neste sentido, o Brasil foi pioneiro na constituição de um “policy mix”, ou seja, de um arranjo de políticas das três gerações, o que possibilita responder à diversidade geográfica, ambiental, social e cultural das agriculturas familiares. A difusão subcontinental dessas políticas tem conhecido um forte impulso, com um apoio determinante do Brasil. Atualmente, este processo passa por duas instâncias principais, as quais atuam de modo cada vez mais articulado. Criada em 2004, a Reunião Especializada de Agricultura Familiar (REAF) cumpriu um papel fundamental ao disseminar políticas para a agricultura familiar no contexto do Mercosul Ampliado. Parte do seu sucesso pode ser atribuída ao seu modelo de disseminação mista pelos movimentos sociais e pelos agentes governamentais, mediante ações de fortalecimento de capacidades (intercâmbios e treinamentos). Por sua vez, na escala subcontinental é a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) quem tem promovido esta discussão. Em 2014, a entidade adotou diretrizes para a agricultura familiar e o desenvolvimento rural, e criou um Grupo de Trabalho específico que deve se ocupar da elaboração de um Plano de Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome, o qual será implementado na América Latina e Caribe (ALC) com o apoio dos mecanismos regionais de integração e cooperação, inclusive da própria REAF. O objetivo deste texto é analisar o processo de construção e disseminação regional de políticas públicas para a AF, com foco privilegiado na agenda da SSAN e da Agroecologia, examinando o papel da REAF e da CELAC como fóruns de diálogos políticos entre governos e movimentos sociais, e como atores coletivos que manejam capacidades estatais. Inicialmente o artigo discute a trajetória recente das políticas para a agricultura familiar no contexto latinoamericano. Em seguida, com o foco voltado para a experiência de países selecionados, discute os instrumentos mais diretamente associados à agenda da SSAN. Segue a isto uma análise sobre a crescente pressão, exercida, sobretudo, pelos movimentos sociais, para fazer da Agroecologia um novo referencial de ação pública, e como este tem sido incorporado, em diálogo com a SSAN, nos instrumentos de políticas. Finalmente, o artigo analisa alguns desafios para a construção e disseminação destas políticas em face do novo contexto económico e político latinoamericano.

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Bibliographic Details
Main Authors: Sabourin, Eric, Niederle, Paulo
Format: monograph biblioteca
Language:por
Published: Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura
Subjects:E14 - Économie et politique du développement, E80 - Économie familiale et artisanale, E10 - Économie et politique agricoles, S01 - Nutrition humaine - Considérations générales, F08 - Systèmes et modes de culture,
Online Access:http://agritrop.cirad.fr/581643/
http://agritrop.cirad.fr/581643/1/TEXTO%20DE%20CONJUNTURA%2013.pdf
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Description
Summary:Sob a pressão dos movimentos sociais do campo, vários países latinoamericanos têm adotado políticas específicas a favor da Agricultura Familiar (AF a seguir neste texto). Na maioria dos casos, estas políticas correspondem a uma segunda geração de instrumentos de intervenção do Estado, os quais se somam àqueles já utilizados para melhorar o acesso à terra. Esta é a situação, por exemplo, da Colômbia depois do “paro agrário” e do Peru após mobilizações das organizações campesinas. Mas há também países onde já se investe em uma terceira geração de políticas, as quais não focalizam apenas o aumento da produção ou a reorganização da estrutura agrária, mas possuem forte apelo socioambiental e na qualidade alimentar. Estas políticas abarcam instrumentos para fortalecer a Soberania e a Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) e são, ademais, crescentemente associados à Agroecologia. Neste sentido, o Brasil foi pioneiro na constituição de um “policy mix”, ou seja, de um arranjo de políticas das três gerações, o que possibilita responder à diversidade geográfica, ambiental, social e cultural das agriculturas familiares. A difusão subcontinental dessas políticas tem conhecido um forte impulso, com um apoio determinante do Brasil. Atualmente, este processo passa por duas instâncias principais, as quais atuam de modo cada vez mais articulado. Criada em 2004, a Reunião Especializada de Agricultura Familiar (REAF) cumpriu um papel fundamental ao disseminar políticas para a agricultura familiar no contexto do Mercosul Ampliado. Parte do seu sucesso pode ser atribuída ao seu modelo de disseminação mista pelos movimentos sociais e pelos agentes governamentais, mediante ações de fortalecimento de capacidades (intercâmbios e treinamentos). Por sua vez, na escala subcontinental é a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) quem tem promovido esta discussão. Em 2014, a entidade adotou diretrizes para a agricultura familiar e o desenvolvimento rural, e criou um Grupo de Trabalho específico que deve se ocupar da elaboração de um Plano de Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome, o qual será implementado na América Latina e Caribe (ALC) com o apoio dos mecanismos regionais de integração e cooperação, inclusive da própria REAF. O objetivo deste texto é analisar o processo de construção e disseminação regional de políticas públicas para a AF, com foco privilegiado na agenda da SSAN e da Agroecologia, examinando o papel da REAF e da CELAC como fóruns de diálogos políticos entre governos e movimentos sociais, e como atores coletivos que manejam capacidades estatais. Inicialmente o artigo discute a trajetória recente das políticas para a agricultura familiar no contexto latinoamericano. Em seguida, com o foco voltado para a experiência de países selecionados, discute os instrumentos mais diretamente associados à agenda da SSAN. Segue a isto uma análise sobre a crescente pressão, exercida, sobretudo, pelos movimentos sociais, para fazer da Agroecologia um novo referencial de ação pública, e como este tem sido incorporado, em diálogo com a SSAN, nos instrumentos de políticas. Finalmente, o artigo analisa alguns desafios para a construção e disseminação destas políticas em face do novo contexto económico e político latinoamericano.